O PFL vai trocar de roupa, mais uma vez


O velho partido dos coronéis, o “Pê-fê-lê”, vai mudar de nome. Passará a se chamar Democrata. O teatro de representação política, amplificado pelos meios de comunicação de massa, exige tal recurso de sobrevivência. Ganhar consensos na opinião pública e se colocar nessa agenda com imagens mais palatáveis são ações por vezes necessárias. No Brasil, como em outros países, a maior parte dos partidos tende a se acabar, reagrupar e, por fim, mudar de nome. Na verdade, poucas são as agremiações que aqui surgem para cumprir uma plataforma ideológica definida. Na sua maioria, constituem-se em legendas de aluguéis para propósitos diversos.
No caso do PFL, trata-se do processo de esgotamento do próprio discurso que, diga-se, não vem de agora, mas dos idos da década de 40. Fiel representante das altas elites nacionais e agente dos mais variados interesses internacionais, o insucesso nas urnas nas últimas eleições deixou o partido em estado de alerta. O PFL já teve seis governadores e agora ver-se minguado com apenas um, o do Distrito Federal, assumido pelo ex-deputado José Roberto Arruda, aquele mesmo que ajudou seu correligionário Antônio Carlos Magalhães a fraudar o painel de votação do Senado e por isso foi obrigado a renunciar ao mandato em 2002, assim como fez o senador ACM.
Muda-se o nome, mas não sua cadeia genética. O PFL herda uma tradição política que surge no país em 1945. O nome era União Democrática Nacional, a UDN, que foi fundada nesse ano para combater o getulismo com o discurso liberal de viés entreguista. Fez oposição sistemática a Vargas no seu segundo mandato, entre 1950 e 1954. Levou-o ao suicídio e já naquele momento tentava emplacar um golpe. Um dos primeiros demiurgos do ideário udenista era o assumido golpista Carlos Lacerda. Jornalista e empresário de comunicação, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa no Rio de Janeiro e deputado federal pelo antigo Distrito Federal, Lacerda se notabilizou pelo discurso inflamado e o constante apelo à quebra da ordem constitucional. Assim como a Vargas, se opôs também ao presidente Juscelino Kubitschek e participou da conspiração do golpe de 1964. Udenistas e golpistas também eram a família Mesquita, proprietária do jornal Estado de São Paulo, Herbert Levy, dono do jornal Gazeta Mercantil e Roberto Marinho, proprietário do jornal O Globo e da Rádio Globo à época. Hoje seus herdeiros são donos do maior conglomerado de mídia do Brasil.
Com o triunfo do golpe militar, a velha UDN trocou de roupa e passou a se chamar Aliança Renovadora Nacional, Arena. Sustentando o regime militar, o partido cresceu ainda mais por conta de uma legislação eleitoral autoritária. Foi o momento em que o baiano Antônio Carlos Magalhães passou a figurar como uma de suas estrelas emergentes. No fim do Regime Militar e com a imagem pra lá de desgastada, a Arena se transformou em Partido Democrático Social, PDS. O PDS viveu o suficiente para que fizesse aliança com setores da oposição moderada e participasse das eleições indiretas no Colégio Eleitoral. Finda a era militar e com o início da redemocratização, o PDS passa a se apresentar como Partido da Frente Liberal, o qual perdura até o momento. Agora, agonizando, providencia uma nova vestimenta com o sugestivo nome de “Democrata”.
Pregando a agenda neoliberal, defensor do Estado mínimo e de uma sanha privatista incalculável, o PFL viu seus objetivos, ao menos por hora, se distanciarem com a reeleição do presidente Lula. Ao redor, observa uma América Latina que se levanta contra tudo que suas aspirações representam. O renascimento da esquerda no continente é fato e a mudança de nome do partido é um esforço no sentido de combater internamente essa tendência. A perda do espaço político na Bahia, Estado que o PFL dominava há 16 anos, o reduto de ACM que, mediante títeres, comandava com mão de ferro, foi um desastre sem precedentes para o partido.
A opção pela nova sigla ocorreu depois que o cientista político Antônio Lavareda apontou o inevitável fim da agremiação. O presidente da legenda, Jorge Bornhausen (PFL-SC), após acatar as indicações do trabalho de consultoria de Lavareda, convocou os demais caciques para anunciar a medida. Aliás, é bom frisar, nomes como Antonio Carlos Magalhães Neto e Rodrigo Maia, filho do prefeito do Rio de Janeiro César Maia, praticamente exigiram a reestruturação do partido. Compreensível, já que ambos estão entre aqueles que ainda têm alguma chance de dar prosseguimento à obra que seus antepassados iniciaram. Entendeu-se que é preciso mudar a cara para que os velhos e atrasados intentos pairem com uma faceta “moderna”. Nada melhor do que se assumirem como “democratas”. “Democratas” que lutam contra a Reforma Agrária, contra a democratização dos meios de comunicação, contra a distribuição de renda, contra o fortalecimento de um Estado promotor do desenvolvimento, contra a manutenção das garantias sociais trabalhistas e a ampliação das mesmas, entre outras mazelas políticas. Estamos diante da mudança do conceito de democracia? Cremos ser isso possível quando o que vem a mover esse discurso é a própria herança daqueles que um dia foram senhores e proprietários de escravos, compradores de votos nos currais, auxiliares de regimes arbitrários e autoritários e responsáveis por legar um pais que tem o vexatório título de vice-campeão mundial em desigualdades sociais e que agora se levanta para mudar essa realidade. Tudo aquilo que os senhorios “democratas” não querem.

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