Os latifundiários da web

A fome desvairada por lucros pode acabar com a liberdade de expressão e conteúdos na Internet. Bill Gates (foto) é um dos "latifundiários" da rede que exerce irresponsável controle sobre softwares e hardwares

A violenta luta mercadológica das grandes corporações de mídia que operam na Internet está colocando os usuários da rede como reféns de suas disputas. Diz um provérbio indu que quando dois ou mais elefantes brigam quem sofre é a grama. Usuários que instalam novos sistemas operacionais da Microsoft, a exemplo do Windows Vista e suas diversas plataformas de apoio, estão quase que sendo impedidos de navegar livremente por sites que a empresa de Bill Gates entende como “ameaças” ao sistema. E os bloqueios vêm em forma de avisos sobre plausíveis inseguranças para quem acessar, por exemplo, sites da Google ou da Yahoo. É fácil imaginar que as duas últimas buscarão agir da mesma forma que a gigante concorrente num futuro próximo. A questão é o dinheiro e o garroteamento de usuários na web significa enormes bancos de dados para atuais e futuras conversões destes em consumidores. Com a eminente unificação das mídias por intermédio da digitalização, volumosos recursos de investimentos publicitários, outrora destinados a canais de televisão, rádios e impressos, estão sendo reorientados para a Internet e suas derivações, como a telefonia móvel. O pesquisador Hervé Le Crosnier, da Universidade de Caen, França, chama atenção em artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique que o investimento em publicidade na rede consumiu cerca de 40 bilhões de dólares em 2007. Ainda segundo Crosnier, estimativas da própria Microsoft prevêem que esse número deverá dobrar até 2010. No ano passado, a Google teve 588 milhões de acessos, a Microsoft 540 milhões e a Yahoo 485 milhões. A briga está feroz e se tornará ainda mais ácida. E nessa disputa os usuários da web ficam vulneráveis às adequações das “necessidades” publicitárias das megacorporações. Questiona-se então a própria condição da Internet, uma ferramenta de mídia que presumivelmente pode democratizar a divisão do bolo informacional no mundo. O controle desse espaço por um pequeno clube de investidores poderá ameaçar o acesso livre e, o mais grave, restringir paulatinamente a liberdade de conteúdo na web. Em meados do século XX, um grupo de intelectuais do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, denominando posteriormente de Escola de Frankfurt, antecipou essa fagocitose midiática a partir de estratégias nas quais os bens culturais simbólicos estariam suscetíveis às demandas do mercado e sua lógica. E a “profecia” poderá ser cumprida à risca na atual idade mídia. Tal controle, na verdade, destila-se em controle ideológico, já que a Internet ainda é um espaço presumivelmente democrático. Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu, pesquisador e militante do software livre, “a tecnologia digital permite uma grande transformação sócio-comunicativa, e se, anteriormente a população só recebia informações pela mídia, agora passa também a poder produzir seu próprio conteúdo e disponibilizá-lo na Internet”, conclui. Então as disputas pelos consumidores na web traduzem-se também em ameaças à qualidade dos conteúdos e suas orientações de discursos. Quando um programa do Windows Vista “trava” o download de um software livre, a exemplo de um executor de mídias como o Miro ou um navegador do tipo Mozila, não está apenas restringindo ao usuário o acesso às ferramentas, mas muito mais à diversidade de conteúdos e espaços que não queiram se dobrar à lógica das megacorporações. O próprio conceito de site, que significa sítio, remete a um espaço pequeno e a Internet deveria, e deve ser, um conjunto desses pequenos “sítios” no qual prevaleça a diversidade e a democracia de opção e participação. De modo contrário, prevalecerão os “latifúndios” midiáticos que reproduzirão na web o que já é realidade nos suportes mais antigos, como o rádio, a TV e os impressos. É tudo que deseja Bill Gates, a Fox e os demais mastodontes da mídia mundial.

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