Dia do Rock, dia de contestação



Na segunda-feira, 13, comemorou-se o Dia do Rock. Confesso uma certa nostalgia. Aos 13 anos, ainda ginasiano, fui à casa de um colega que sapecou a agulha da vitrola num long play. Uma guitarra vibrante e um refrão: “Whola lota love”. Paralisei. Ouvia pela primeira vez o som de uma das bandas mais emblemáticas do mundo rocker, o Led Zeppelin. Creio, um bom ponto de partida. Colecionei discos – os antigos bolachões – de várias bandas e passei a me interessar pelo gênero, não apenas musicalmente, mas por atitude. A guitarra de Jimi Hendrix, a voz de Janis Joplin e o gingado de Chuck Berry não eram apenas música; assim como o estridente sucesso dos Beatles e dos Rolling Stones. Algo maior estaria por detrás daquela engrenagem.
Indaga-se então a questão mais cara e grandiloquente àquela movimentação que vinha dos poros da juventude: é tudo alienação? Simples produtos da indústria cultural? Não se pode negar a máquina do mercado fonográfico como principal constructo planetário desse gênero musical, que derivou para as artes plásticas, audiovisuais, moda, entre outros campos. E isso é fato. No entanto, num segundo ângulo, se descortina perspectiva adversa. E esta requer análise mais crítica sobre o fenômeno, e que se contrapõe ao pretenso senso comum de que o rock é sinonímia de consumismo.
À esquerda e à direita o comportamento e o universo rocker já foram censurados. Nos anos 60 as guitarras no Brasil sofreram resistência dos chamados “puros sangues” da MPB; nos Estados Unidos, os ultraconservadores sempre o demonizaram: “música do diabo”. Na Cuba pós-revolução, Fidel Castro enquadrou os Beatles como “símbolo do consumismo egoísta”. E ele mesmo surpreendeu a todos quando, no dia oito de dezembro de 2000, inaugurou em Havana a Praça John Lennon, cuja peça que mais chama atenção é uma estátua com óculos do finado rockstar britânico.
Nas suas diversas variações rítmicas, o rock tem sido uma das principais frutas no liquidificador da indústria cultural. A “montagem” de uma banda em muitas situações decorreu do “planejamento” de apetitosos negócios, incluindo aí o apelo ao sex apeal dos band leaders como fator que se sobrepôs a qualidades inatas.
Não à toa, a tríade quase arquetípica sexo, drogas e rock´n´roll, ainda que esta não tenha derivado, apenas, dos estratagemas para as vendas das imagens dos ídolos. As novas posturas comportamentais - a revolução sexual a reboque – também se encarregaram de embebedar o cenário rocker com atitudes transgressoras, incluindo aí o campo da sexualidade sob um ponto de vista libertário.
Passados os caleidoscópios dos anos 60, os anos 70 marcaram novas formas dessas atitudes e a politização deu o tom com o Movimento Punk. Primeiro nos subúrbios da Califórnia, depois nas periferias de Londres e outras cidades européias. O punk music virou rastilho de pólvora e incendiou levas de jovens proletários. Sex Pistols e The Clash foram bandas emblemáticas neste contexto anarco-sindicalista-musical. Concomitantemente, trilhando, de início, o psicodelismo, o Pink Floyd assumiu seu rock militante, de esquerda, contestando o mundo pós-guerra, enquanto que o estilo heave metal preferia adentrar na floresta do ocultismo e afins.
Nos anos 80, o rescaldo vingou na tematização sombria da psique humana, com o desencanto total ante a política e suas escolhas. O individualismo imperou.
Mas foi nos 90 que algumas atitudes rocker, de fato, plugaram com as questões sociais, e o terceiro mundo foi o palco de maior efervescência. Releituras vibrantes, como as do franco-espanhol Mano Chao, e as dos hispano-americanos do Rage Against the Machine, para nomear dois dos mais destacados, têm expressado a política no seu sentido mais engajado; no Brasil, os pernambucanos Nação Zumbi, do finado Chico Scienci, e Mundo Livre S.A., assim como o carioca Marcelo Yuca com a sua banda Furto (Força Urbana de Trabalho Organizado), constituem a musicalidade rocker com posicionamentos contestatórios, incomodando o estabileshment.
Sim, o rock´n´roll, a despeito da incrementada indústria que o sustenta, ainda respira atitude. Tem no seu DNA os gritos de lamento dos negros africanos que apinhados nos trens do sul dos Estados Unidos cantavam seus lamentos de dor e rebeldia ante a tragédia da escravidão. Daí veio o blues, o jazz e o filho mais novo, o rock´n´roll. A propósito, o dia que homenageia o rock existe há 24 anos. A homenagem foi iniciada em 13 de julho de 1985, quando realizou-se o Live Aid, megaevento em prol das vítimas da fome na Etiópia. Portanto, uma atitude política. Parabéns!

Comentários

Júlia Lins disse…
Rage Against the Machine
E Mano Chao não é franco-espanhol, não?
ótimo texto, beijos, Júlia.
Textos ao Vento disse…
Valeu, Júlia! Correção feita!
Unknown disse…
ótimo texto!
só pra puxar um bate-papo: que bom q vc começou c led e terminou com RAMachine. imagine se vc continuasse c bandas do rock atual. falar da qualidade musical do NXzero, strike, good charlote e as outras porcarias que se intitulam rock in roll. defendo a bandeira de q o rock passa por seu pior momento. bandas sem sentido, sem identidade, enlatados pop´s (queria grifar esse pop, mas n dá). enfim, se a gente puder discutir sobre isso...
Nilson disse…
Traçaste um belo panorama, meu velho. Verdade, por outro lado, que o rock exprime de fato o auge do capitalismo nos anos 60, e Woodstock teria sido antes de tudo uma farra de consumo... e o próprio punk passou a ser 'de butique' em dois tempos... e a vida milionária de John Lennon teria sido um dos motivos da fúria de Mark Chapman. Quanto aos novos, nem sei, mas é tudo mainstream, ainda que com mercados delimitados: o do 'rock engajado' de Manu Chao & cia, por exemplo. O rock errou???
www.textosaovento.blogspot.com disse…
Galvão, conforme Lobão, sim, errou...
Iracema Chequer disse…
Belo texto!!!! E vc ainda diz que não passo por aqui...

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