O "fato" e o fato

Há cerca de uma semana a TV Globo e outros meios de comunicação do pais enveredaram, mais uma vez, pela estratégia do escândalo político. Nesta última, o alvo voltou a ser o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O elemento motivador do episódio foi a destruição de pés de laranja na fazenda Cutrale, agroindústria situada no município de Laras (SP) que, segundo o MST, ocupa área pública grilada do Estado. No entanto, o movimento nega que tenha assumido qualquer iniciativa para a destruição dos laranjais, ainda que assuma a ocupação da propriedade durante um período. Manifestando-se publicamente, o MST argumenta que “(...) as famílias acampadas recorreram à ação de ocupação na Cutrale como última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranja no mundo - se dedique a grilar terras (…)”. Talvez o que os milhões de telespectadores do Jornal Nacional não saibam é que a matéria veiculada pela emissora dos Marinhos apenas deu voz a um lado do problema, como já é de costume na maior televisão do país. O fato é que as cenas que apresentam um trator passando por cima dos pés de laranja ocorreram sem o conhecimento das famílias que se encontravam no ato político de ocupação da Cutrale. Para o MST, a ação foi perpetrada por elementos infiltrados que atuaram para desmoralizar e criminalizar o movimento. Ainda segundo o comunicado do MST, “(…) não houve depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado”, afirma a nota. Na verdade, o que não é noticiável na maior parte dos meios de comunicação brasileiros é que o Brasil é o país onde mais se concentra terras no mundo. O resultado do Censo de 2006 é inconteste. Divulgado na semana passada, o documento revela que menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras. Trata-se de uma situação que leva violência ao campo. Nos últimos anos foram assassinados mais de 1,6 mil trabalhadores rurais, e apenas 80 dos assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram alguma punição, reinando a impunidade, como no Massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996. A ofensiva midática ao MST, como de resto a todos os movimentos sociais, revela a postura preconceituosa e arrogante das elites deste país. E entre elas ainda ecoa o sentimento de casa grande que sempre acompanhou seus atos.

Comentários

Jacinta Dantas disse…
Olá, passando por aqui, conhecendo seu espaço e refletindo com suas letras:
É,
o tempo passa, pessoas passam, mudanças são conquistadas...
mas, em pleno século XXI, somos colocados frente a frente com cenas que nos fazem pensar: de onde viemos e para onde vamos se ainda nos comportamos como donos do mundo?

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