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Mostrando postagens de 2014

A centrífuga do manguebeat

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“Pernambuco tem uma música que nenhum outro lugar tem”. A assertiva utilizada pelo jornalista José Teles não se pretende bairrista como a princípio possa parecer. Não é. Em “Do frevo ao manguebeat” , lançado pela editora 34, 367 páginas e orelhas assinadas pelo crítico Tarik de Souza, Teles desvela o histórico das manifestações estético-musicais de Pernambuco sem perder a perspectiva dos entrelaces desses movimentos com outros que ocorrem no país e no mundo. Embora o carnaval pernambucano se apresente como o fio que conduz o autor às explicações do maracatu e do frevo, a origem desses ritmos só faz sentido se entendida no contexto socioeconômico do então estado mais pujante do Nordeste nos anos 50, e sua capital, Recife. A outrora maior metrópole da região abrigou a primeira grande gravadora fora do eixo Rio-São Paulo. Pela iniciativa do empresário José Rozenblit a produção musical do estado encontra canais para acessar o sul maravilha.      A capoeira, o frevo, o maracatu e s

Ilegal deve ser o crime organizado

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A canabis | Foto: Alexodus/Flickr Lembrança viva da infância. 1972. Tacão do regime militar implacável. Conversas aos sussurros dentro de casa. Choro. O irmão de um parente paterno fora preso, não por estar militando numa organização clandestina. Era “desbundado”. Assim a esquerda ortodoxa e a direita taxavam os que preferiam pôr o bloco na rua de outro modo. “Os policiais o pegaram no Relógio de São Pedro fumando maconha”. A irmã relatava o sofrimento moral do rapaz com lágrimas nos olhos. Certa senhora presente àquele velório sui generis, angustiada, tentava consolar a amiga. “Tudo se resolve e haverá um meio de tirá-lo desse vício. Não ficará drogado a vida toda”. Vaticinara aquela que no futuro negociaria as córneas por uma receita azul prescrevendo Rivotril. O irmão do preso, que anos depois teve o fígado e outros órgãos comprometidos por excesso de álcool, arrotava moral pelos poros. “Hippie, maconheiro descarado, tinha que levar uma sova também!” Maconheiro. Chin

Sonhos e pesadelos de uma era

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Ponto Final, do jornalista Mikal Gilmore, renomado crítico de música estadunidense, não se propõe avaliar conceitos e valores do turbilhão de eventos que ocorreu nas décadas de 60 e 70. Apenas os apresenta como um Forest Gump que transitou entre as celebridades. Para Gilmore, o legado do imaginário marcado por sexo, drogas e rock´n´roll não é dos melhores. Ele mesmo se confessa sobrevivente de uma era marcada por overdoses e devaneios com finais nem sempre felizes. E relata sem pruridos moralistas. O livro é uma coletânea de ensaios que permeiam histórias do beatnik, da contracultura e do movimento hippie. Trajetórias de personagens como Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Timoty Leary, Jim Morisson, Bob Marley, Bob Dylan e bandas como Beatles, Pink Floyd, Led Zeppelin, entre outras, são reveladas em detalhes muitos deles desconhecidos por boa parte dos fãs. Contestação, rebeldia, radicalismo e, também, a beleza, o lúdico e a utopia. Sonhos e pesadelos se mesclam. Assim se dá a fu

Espaços de indignação. E de alguma esperança

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O que esperar das redes sociais para as transformações políticas? Para Manuel Castells, a premissa é de que a mudança do ambiente comunicacional afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, a produção de relação de poder. O sociólogo espanhol avalia que os levantes populares da Primavera Árabe, a Revolução das Panelas na Islândia, o Occupy Wall Street, a rebelião dos Indignados da Espanha e as chamadas Jornadas de Junho no Brasil decorreram, entre outros fatores, da emergência do que entende como “autocomunicação“. Guardando diferenças econômicas, políticas e sociais, Castells observa que estes levantes tiveram como característica comum duas situações: a existência concomitante de redes mediadas por computador e dispositivos móveis e ocupação de espaços públicos, fenômenos os quais classifica de “híbridos”. Em Redes de Indignação e Esperança - Movimentos sociais na era da internet (faça o download aqui) , o pesquisador analisa estas mobilizações atentando

Acasos, destinos e amores

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Acasos, destinos e amores que se trançam em meio a lembranças que unem passado e presente. Há filmes que são feitos para eternidade. Trem noturno para Lisboa, adaptação do livro do francês Pascal Mercier, é um deles. Um professor suíço, magistralmente interpretado por Jeremy Irons, é movido pela curiosidade quando se depara, em situação inusitada, com um livro-relato de um autor português. Lisboa é o seu destino. É lá que resolve desencavar episódios que o levam aos primeiros anos dos 70 em meio à ditadura de Salazar. Mais do que ilustrar a violência de um regime cruel e fascista, o filme do diretor dinamarquês Bille August discute relações humanas. Ser bom ou mal, amar e trair são posturas e sentimentos que passam à margem de posicionamentos políticos e ideológicos. O tempo se encarrega de explicar os destinos e escolhas dos personagens. A Revolução dos Cravos, em 1974, que libertou Portugal, também aprisiona ressentimentos e mágoas. A produção alemã de 2013, que tra